Eu já tinha comentado no Twitter sobre o CEO de uma empresa listada na bolsa americana ter alocado 425 milhões de dólares da companhia em Bitcoin.
Nesta última semana, Michael Saylor concedeu uma entrevista histórica ao podcast de Anthony Pompliano, onde contou um pouco da sua história individual de empreendedor e também a sua trajetória intelectual desde o início do ano, quando percebeu que sua empresa tinha 500 milhões de dólares em reservas “derretendo” no banco, até o momento em que decidiu alocar 85% deste montante em Bitcoin.
Se você quiser conferir a entrevista completa (em inglês), ela está disponível no youtube.
Aqui vou destacar alguns trechos e ideias que para mim foram marcantes e explicar porquê.
“Bitcoin talvez não seja cem vezes melhor que ouro, talvez seja mil vezes melhor.” Michael Saylor
Michael Saylor e a MicroStrategy
Michael Saylor tem 55 anos. Ao se formar no ensino médio ele passou um tempo na força aérea americana e depois conseguiu uma bolsa para estudar no MIT. Se formou engenheiro aeronáutico e também, em seu currículo, deu ênfase ao estudo da história da ciência.
Aos 24 anos, Michael trabalhava como programador e decidiu fundar a MicroStrategy, uma empresa de inteligência de dados, ou em inglês, business intelligence. Saylor é CEO desde então e a companhia hoje tem suas ações listadas na bolsa americana com seu valor de mercado variando em torno de 1.5 bilhões de dólares.
Além deste histórico técnico e empreendedor impressionante, Michael, durante a entrevista, deixou muito clara sua afiada mente financeira. Ele fez questão de frisar que, até 2020, conhecia Bitcoin apenas superficialmente e que nunca tinha feito uma pesquisa e análise diligente. O que realmente levou o CEO até a moedinha laranja foi a crise pandêmica deste ano.
Com a realização dos mercados de uma contração econômica eminente, o presidente do banco central americano reduziu o juros para zero, abaixo dos principais índices de inflação do país. Isso criou um novo problema para Saylor, ele agora possuía meio bilhão de dólares em reservas da companhia que estavam gradualmente derretendo, perdendo valor todos os dias.
Foi pesquisando o que ele faria com essa fortuna que descobriu o Bitcoin e finalmente foi a fundo na sua tecnologia e sua história.
O Buraco do Coelho
No livro “Alice nos Países das Maravilhas”, a personagem principal, Alice, é transportada para um mundo fantástico após cair em um buraco de coelho. Essa expressão, “cair no buraco do coelho”, virou uma metáfora na internet sobre o processo que Michael Saylor descreveu ter passado e que se tornou sinônimo da jornada de um Bitcoiner.
Na entrevista, ele conta que começou a pesquisar sobre Bitcoin mas que inicialmente a ideia não fazia muito sentido. Porém, durante uma conversa com um amigo do ramo, alguma coisa “clicou” em sua mente e ele descreveu que sua percepção mudou em um instante, de “essa não é uma boa ideia” para “essa pode ser uma ótima ideia”. A partir daí, ele descreveu a sua queda no buraco do coelho. Se dedicou muito tempo a leitura de diversos artigos e livros, além de ouvir inúmeras horas de entrevistas e debates do mundo Bitcoiner.
Michael diz que nessa jornada também o acompanharam seu CFO e chefe legal da companhia, e, após algumas semanas, começaram a elaborar seriamente como poderiam fazer este investimento massivo em Bitcoin.
Eu faço questão de dar destaque a este processo intelectual e criativo que Michael Saylor reportou, pois é exatamente a mesma experiência que todo Bitcoiner relata. Passado algum tempo desde seu primeiro contato com Bitcoin, alguma ideia ou ângulo novo faz com que você perceba que realmente essa é uma ótima ideia e a moedinha digital acaba sugando grande parte da sua energia criativa e intelectual.
Se você ainda não chegou nesse ponto, não se preocupe, continue lendo, quem sabe não é hoje. ;)
Destaques da Entrevista
Cenário Macro Econômico
Michael deixa clara sua indignação com os índices de mensuração de inflação que os economistas usam. Muito se fala sobre o CPI nos Estados Unidos, que em português se traduz para “Índice de Preços do Consumidor” (Consumer Price Index). Ele critica o índice dizendo que este reflete os preços de consumo básico da população, porém, coisas importantes como saúde, educação, moradia e ativos ficam de foram, coisas que para ele são essenciais para a vida e planejamento a longo prazo do cidadão.
Ao analisar a inflação desta outra cesta, estaríamos olhando para um número muito maior que o CPI, e era exatamente desta inflação que ele queria proteger seus quinhentos milhões em reservas.
O problema era que, ao analisar outras opções de alocação, como ações, títulos de dívida e imóveis, ele considerou que todos estes ativos estão sobre valorizados. Ações estão com relações de preço sobre receita em níveis máximos históricos, preços de bonds em máxima histórica e imóveis comerciais sem liquidez e sem preços justos pós pandemia. Uma das únicas alocações em que ele conseguia enxergar valorização real era o Bitcoin.
Contexto Histórico e Tecnológico
Além da análise financeira e econômica precisa, Michael também revelou grandes insights sobre o contexto histórico e tecnológico que o Bitcoin se encaixa. A ideia que mais me marcou foi a realização, durante sua pesquisa, de que Bitcoin representa mais de 90% do mercado de criptomoedas, e que historicamente isso é um ótimo sinal de que esta já é a tecnologia vencedora. Talvez o trecho da entrevista mais marcante para mim foi:
“Nunca houve um exemplo de uma rede digital monstruosa de cem bilhões de dólares que foi derrotada quando alcançou essa posição dominante.”
(There was never an example of a hundred billion dollar monster digital network that was vanquished once it got to that dominant position.)
Essa frase realmente me chamou atenção porque ela destaca um fenômeno que pudemos ver diversas vezes na história. A guerra dos protocolos no início da internet é um ótimo exemplo, além de claro, eventos mais recentes como a ascensão de empresas de tecnologia baseadas em redes, como:
Apple — rede de comunicação móvel
Google — rede de informação
Youtube — rede de vídeo
Facebook — rede social
Twitter — rede de discurso
Amazon — rede de varejo
Ele ainda faz questão de mencionar o MySpace, rede social que mais tarde foi desbancada pelo Facebook, e muitas vezes usado como referência a um possível risco do Bitcoin ser vencido por outra moeda digital. Michael destaca que o MySpace chegou ao um valor máximo de mercado de 1 bilhão de dólares, 200 vezes menor que o valor do Bitcoin hoje.
Para Saylor, todo investimento excepcional é um investimento em tecnologia, porém, ele deixa claro que isso não quer dizer apenas empresas digitais ou de informática, ele explica que empresas de crescimento exponencial foram empresas tecnológicas em sua época.
Ele da o exemplo da Hershey’s e diz que, durante seu período de grande crescimento, foi sim tecnologicamente inovadora. Na época, eram capazes de produzir chocolate em um volume e qualidade extraordinários porque eram tecnologicamente excepcionais. A mesma ideia serve para companhias como Boeing, General Electric ou Standard Oil.
Bitcoin, não altcoins
O CEO deixa claro também que acha interessante as experimentações que existem nas altcoins, talvez elas tenham futuro ou talvez não. Porém, para estacionar seu quase meio bilhão de dólares, ele estava buscando uma moeda com uma proposição de valor clara e conservadora.
Em suas palavras, tudo que ele precisa é:
“[…] uma rede criptográfica de prova de trabalho projetada para ser uma reserva de valor, e a única coisa que faremos é manter uma reserva constante de valor como ouro digital e gastaremos uma grande quantidade de energia para proteger essa rede.”
([…] a proof of work crypto network designed to be a store of value, and the only thing we’re gonna do is to maintain a constant store of value as digital gold, and we’re gonna spend a huge amount of energy to protect that network.)
Próximas Corporações
Michael ainda se arrisca a fazer algumas previsões. O entrevistador pergunta se o CEO acredita se sua decisão fará com que outros conselhos corporativos sigam seus passos e criem reservas em Bitcoin.
Ele afirma que sim, diz que provavelmente sua decisão será um exemplo para outras corporações de que este caminho é possível. Isto fará com que outros conselhos corporativos comecem ao menos a discutir o assunto. Para ele, 2020 foi um ano que abalou muitas convicções dos líderes executivos mundiais, o cenário perfeito para começarem a considerar estratégias que antes eram incabíveis.
Mas que mesmo que decidam seguir os passos da MicroStrategy, teremos que esperar ao menos 6 meses antes de vermos outro anuncio como o da companhia de Saylor, isto pois o processo legal e administrativo para empresas publicas é longo.
Para terminar. Deixo aqui dois tweets de Michael Saylor sobre Bitcoin, um em 2013 e o outro de 2020.
Na entrevista, ele afirmou que não lembrava do seu tweet de 2013 quando começou sua pesquisa sobre Bitcoin no começo de 2020.
Constante universal monetária:
21.000.000 BTCs
Encaminhe este email para amigos, família e conhecidos! Me ajuda muito a continuar escrevendo.