É de extrema importância entender o Bitcoin dentro de um contexto histórico. A cobertura midiática da moedinha laranja costuma passar a impressão de que esta foi uma invenção que surgiu sem uma devida circunstância, isto apenas contribui para a impressão de que tudo não passa de uma moda, uma mania passageira.
Pessoalmente, as invenções, empreitadas e figuras que formaram a base para a invenção do Bitcoin são meus temas favoritos. Faço questão de frisá-los quando falo sobre o assunto pois foi apenas quando eu entendi este precedente histórico que eu finalmente percebi a importância do Bitcoin, que esta não é uma moda, mas sim uma inovação revolucionária.
Primórdios da Internet
Nos anos 80, quando apenas cientistas e engenheiros usavam computadores, e a internet era apenas um esboço da monstruosa rede global que é hoje, alguns visionários já enxergavam usos potenciais desta jovem tecnologia. Porém, nem tudo era otimismo.
Alguns destes visionários previam a potencial ameaça à privacidade que a internet poderia se tornar, principalmente quando se tratava de transações financeiras.
Em uma época em que o papel moeda tinha uma função fundamental na vida das pessoas, alguns engenheiros começaram a se preocupavam com o fato de que transações monetárias na futura era da internet não seriam privadas e poderiam se tornar um veículo de controle e vigilância por bancos e governos.
Tome um tempo para apreciar a capacidade de antecipar tendências e problemas desses personagens que te apresentarei daqui a pouco. Antes mesmo de existir Amazon, eBay, Paypal ou até mesmo o Internet Explorer, essas pessoas já se preocupavam com o fato de que a privacidade da transação em papel moeda não existiria em um futuro mercadológico na web.
O primeiro desta linha de visionários se chama David Chaum.
David Chaum — DigiCash
David Chaum é um cientista da computação nascido na California e formado professor na universidade de Berkeley. Em 1982, vinte e seis anos antes do nascimento do Bitcoin, Chaum publicou o artigo científico que hoje é considerado a primeira especificação técnica de um dinheiro digital.
A preocupação primordial de David não era com a descentralização de sua moeda, mas sim, com a privacidade das suas transações. Ou seja, Chaum projetou um sistema monetário que ainda era controlado por instituições financeiras e denominado na moeda local do país, porém, as transações realizadas em seu protocolo poderiam ser validadas por bancos sem que estes soubessem quem estava transacionando com quem.
Sete anos mais tarde, em 1989, David fundou uma empresa, a DigiCash, com o intuito de vender este sistema para bancos e governos, e avançar o ecossistema de transações digitais. Nove anos mais tarde, a empresa declarou falência. A startup de Chaum nunca conseguiu atingir uma escala significativa e seu fundador declarou que, durante os anos que chefiou a DigiCash, o comércio eletrônico na internet estava em sua infância, o que dificultou muito sua empreitada.
David Chaum é considerado até hoje o pai do dinheiro digital. Sua empresa teve uma vida curta, porém, suas ideias e pesquisas formaram a fundação técnica e ideológica que inspiraram diversos cientistas e engenheiros mais jovens.
Cypherpunks
A ideia do dinheiro digital não nasceu e morreu com David Chaum e a DigiCash, muito pelo contrário, o acadêmico californiano inspirou uma geração mais jovem de engenheiros a perseguirem este sonho.
No começo dos anos 90, também na Califórnia, um grupo de profissionais da computação e criptografia começaram a se encontrar para debater ideias sobre privacidade e liberdade na era digital, eles se auto denominaram Cypherpunks.
Deste grupo, saíram tecnologias e projetos como o Tor, Wikileaks, PGP e alguns dinheiros digitais que inspiraram o Bitcoin. Aliás, é extremamente provável que o próprio Satoshi Nakamoto tenha feito parte dos Cypherpunks.
Porém, é preciso lembrar que o grupo evoluiu de alguns pequenos encontros presenciais em 1990, para uma corrente de emails com centenas de inscritos no começo dos anos 2000. Portanto, apesar de alguns fundadores do grupo serem fortes candidatos ao título de criadores do Bitcoin, não é possível afirmar ao certo se alguma das principais figuras do movimento realmente estiveram por trás do pseudônimo Satoshi Nakamoto.
De qualquer maneira, deste mailing surgiram algumas moedas digitais que introduziram ideias fundamentais para a criação posterior do Bitcoin.
Adam Back — Hashcash
Na segunda metade da década de 90, o mailing dos Cypherpunks havia crescido de tal maneira que spam começou a se tornar um problema. Não eram incomuns emails sobre aumento peniano ou tentativas de golpes e phishing.
Para solucionar esta questão, os Cypherpunks não queriam recorrer a um controle central, como moderação, pois isto iria contra a ideologia libertária que o grupo pregava.
Assim, em 1997, Adam Back, criptógrafo inglês, na época com apenas 26 anos de idade, publicou no mailing a especificação de uma possível solução para o problema e a nomeou de Hashcash.
Adam bolou um protocolo para que todo email enviado contivesse uma prova criptográfica de gasto energético, em outra palavras, o remetente deveria provar que tinha gastado alguns segundos de poder computacional como um tipo de “custo” pra enviar o email.
Isto fazia com que pessoas que quisessem enviar emails legítimos, precisassem gastar apenas cerca de 2 a 5 segundos de poder computacional para enviar a mensagem. Por outro lado, hackers e golpistas que precisam enviar milhares ou milhões de emails para serem lucrativos, precisariam gastar milhares ou milhões de segundos em poder computacional para continuarem com seu esquema criminoso, o que desincentivaria a atividade.
Se isso soa familiar, é porque este mesmo princípio é utilizado na mineração do Bitcoin. Um minerador, para poder incluir um bloco de transações no blockchain, deve produzir uma prova criptográfica de que gastou muitos ciclos computacionais e, consequentemente, energia elétrica parar criar aquele bloco. Assim, como no Hashcash, um potencial fraudador ou spammer da rede do Bitcoin teria também que investir recursos massivos em seu ataque, o que desincentiva o indivíduo a interferir na rede.
Este conceito de conectar recursos naturais do mundo real a validade de algo digital é chamado, hoje em dia, de prova de trabalho, ou e inglês, proof-of-work, e é considerado o motor, ou coração do Bitcoin.
Wei Dai — B-Money
No ano seguinte à invenção do Hashcash, em 1998, outro integrante do mailing Cypherpunk, Wei Dai, publicou a especificação de um dinheiro digital anônimo e descentralizado chamado B-money.
Sabe-se muito pouco sobre Wei Dai, uma figura muito influente no mundo Cypherpunk porém extremamente reservada. A pouca informação pública disponível não revela dados pessoais, apenas fatos profissionais como sua formação em ciência da computação na universidade de Washington, seus ensaios técnicos e ideológicos e suas contribuições para bibliotecas criptográficas de código aberto.
Com a especificação do B-Money, Wei Dai introduziu duas ideias cruciais para a invenção do Bitcoin e, assim como o Hashcash, também foi mencionado no whitepaper de Satoshi Nakamoto.
B-Money trouxe a ideia de que os registros de transações da rede deveriam ser guardados por todos os integrantes, de forma descentralizada. Wei Dai também especificou o uso do método criptográfico de chaves público-privada como uma espécie de conta e senha dos usuários na rede, claramente inspirando o design do Bitcoin.
Se estiver achando o papo muito técnico, sugiro ler meu primeiro artigo onde explico como o Bitcoin funciona. Sem dúvida você irá identificar as contribuições cruciais que mencionei até agora.
Nick Szabo — Bit Gold
Outro integrante dos Cypherpunks e ex-funcionário da empresa de David Chaum é um americano filho de imigrantes húngaros chamado Nick Szabo.
Nick é uma figura muito admirada no mundo do Bitcoin. O americano é formado em ciência da computação e direito, além disso, mantém há muitos anos um blog chamado Unenumerated, onde publica ensaios respeitados sobre assuntos extremamente diversos.
Szabo cunhou, ainda na década de 90, o termo “smart contracts” e, em 2005, publicou a especificação de um dinheiro digital chamado Bit Gold, onde ele chegou muito perto do design final do próprio Bitcoin. Nick foi o inventor de algo que algumas pessoas chamam de “proto-blockchain”, uma espécie de rascunho do que hoje é chamado de blockchain, e funciona como base de dados do Bitcoin.
Pela similaridade no design e pela proximidade temporal do Bit Gold e do Bitcoin, muitas pessoas consideram Nick Szabo como o principal candidato a ser Satoshi Nakamoto. Mas apesar da suspeita, nenhuma prova concreta foi encontrado conectando definitivamente as duas figuras. Além disso, o próprio Nick nega qualquer relação com o criador do Bitcoin.
Satoshi Nakamoto — Bitcoin
Em 2008, Satoshi Nakamoto divulgou ao mundo a arquitetura do Bitcoin. O criador anônimo não inventou nenhum método criptográfico revolucionário, nem um protocolo de comunicação inovador, a sua genialidade foi juntar as peças já existentes de um quebra cabeça, para assim estruturar um sistema que, além de funcionar de forma teórica, também fosse consistente na prática.
Agora, eu espero que esteja claro que o que chamamos de Bitcoin não é apenas mais um app da moda, algo como um serviço de delivery ou uma nova rede social.
Bitcoin é o resultado de um esforço coletivo de quase três décadas, com a contribuição dos engenheiros, cientistas e criptógrafos mais talentosos do mundo. Satoshi Nakamoto não criou um app da moda, ele solucionou um problema técnico que perdurava desde o início da década de oitenta.
Bitcoin é a solução de um problema técnico extremamente desafiador. Um dinheiro digital com liquidação final, anônimo, descentralizado e escasso. Bitcoin não é uma startup da moda.
Constante universal monetária:
21.000.000 BTCs
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