Bem vindos a terceira e última parte do tema “Políticas Monetárias da Última Década”. Se você perdeu as duas primeiras, vale a pena dar um conferida antes de seguir, são bem curtinhas.
Crise de 2008
Se você leu os dois primeiros textos desta serie, agora você já entende como funciona o balanço de um banco comercial e qual é sua relação com o banco central do país, ou seja, quais a ferramentas que existem para influenciar o comportamento do crédito em uma economia e assim tentar atingir o pleno emprego e baixa inflação.
Em 2008 as coisas mudaram. O estouro de uma bolha em um dos maiores mercados dos Estados Unidos fez com que todo o sistema de liquidez do país congelasse.
Para ilustrar o problema e a política monetária que o Federal Reserve criou para apagar o incêndio, vou continuar utilizando o fictício balanço do Banco Satoshi.
Banco Satoshi Durante A Crise
A última vez que atualizamos o balanço do nosso banco ele estava como na Figura 1 abaixo:
O Banco Satoshi possui oitenta milhões de reais em depósitos, porém, não tem nenhuma reserva junto ao Banco Central. Portanto, se algum dos seus correntistas pedir uma transferência para uma conta em outro banco, teríamos que tomar emprestado reservas no mercado interbancário para poder honrar a responsabilidade com nosso correntista.
O que aconteceu em 2008 foi que, com o estouro da bolha de crédito imobiliário, todas as instituições financeiras que faziam parte do sistema interbancário ficaram extremamente alarmadas, pois não se tinha a noção precisa do tamanho do buraco que estavam lidando nem mesmo quais instituições estavam mais ou menos expostas a este risco. Assim, quase que de um dia para o outro, todos os bancos ficaram relutantes em emprestar dinheiro para outras instituições financeiras.
Imagine nosso Banco Satoshi precisando tomar emprestado dinheiro no mercado interbancário para honrar seu compromisso com seus correntistas, porém, durante este cenário de crise, quando nenhuma outra instituição financeira estava disposta a emprestar por conta do medo generalizado que tomou o mercado.
O meu exemplo fictício ilustra a situação precária de apenas um banco no meio desta crise, porém, em 2008, isto aconteceu de maneira generalizada. Algo que foi extremamente preocupante, pois, se o mercado interbancário congela, poderia ocorrer uma efeito dominó catastrófico. Este sistema tem seu correto funcionamento como peça fundamental da indústria financeira, ele não funcionar é tornar muitos bancos insolventes.
Foi durante estes dias cruciais da crise que o presidente do Federal Reserve e do Tesouro Americano se olharam e pensaram:
“FODEU, a gente precisa fazer alguma coisa”
Então nasceu o Quantative Easing.
Quantitative Easing
A tradução mais comum é “Afrouxamento Monetário”.
O banco central americano, o Fed, determinou que iria comprar uma boa parte dos títulos de dívida que estivessem no balanço dos bancos comerciais, lembre-se que estes títulos representam ativos no balanço bancário.
No nosso exemplo, é como se o Fed determinasse que iria comprar nosso título para que o Banco Satoshi voltasse a ter reservas, desta maneira acalmando todo o mercado interbancário e assegurando que não iriam deixar nenhum banco quebrar por falta de liquidez.
Após o Fed comprar nosso ativo, o balanço é atualizado e representado pela Figura 2 abaixo.
Você pode estar agora se perguntando, mas de onde o Fed tirou esse dinheiro? Aqui está o pulo do gato.
Qualquer banco central pode criar moeda local ao apertar um botão. O processo é literalmente entrar no computador da instituição e marcar um número novo no seu sistema de contas, simples assim, nem imprimir papel moeda é mais necessário, já que hoje o sistema bancário é praticamente todo digital.
Pronto, agora você entende o que é o famoso Quantitative Easing. É o Banco Central de um país criando dinheiro novo em seu sistema de contas e comprando títulos de dívida dos bancos com o intuito de injetar reservas no sistema bancário.
Significado e Consequências
Com esse movimento, o Fed sinalizou para o mercado que não deixaria mais nenhuma instituição financeira à deriva, garantindo que falta de reservas não tornaria mais ninguém insolvente ou indisposto a prover liquidez ao mercado interbancário.
Esta política incentivou os bancos comerciais a se sentirem seguros de emprestar dinheiro para outros bancos, e também a emitir dívidas para os agentes da economia real, como empresas e famílias. Nos EUA pudemos notar a estabilização do sistema financeiro e a retomada do crescimento econômico a partir de 2010.
Porém, uma análise mais crítica deste cenário nos revela que o problema fundamental não foi realmente solucionado, apenas postergado.
Posto de outra maneira, na época, a crise deixou duas alternativas para o banco central americano.
A primeira opção seria indicar que era necessária uma diminuição do nível de dívida para reequilibrar a economia e evitar situações similares no futuro.
Porém, essa alternativa já não era considerada viável para o nosso sistema. Com o alto nível de endividamento global da época, era questionável se este tipo de política não acarretaria em uma forte recessão causando a desestruturação de outros setores de dívidas da economia.
A segunda alternativa, que foi adotada no final das contas, era o Fed indicar que daria todo o suporte necessário a mais um ciclo de expansão de crédito e a um nível de endividamento global ainda maior.
Agora, passada mais de uma década e com níveis ainda maiores de endividamento global, a pergunta que fica é: Os bancos centrais serão capazes de suportar mais um ciclo de expansão de crédito sem desestabilizar o sistema?
Eu não sei, mas quem sabe alguma semana dessas eu não falo sobre os possíveis cenários que estão se desenhando.
Até semana que vem!
Constante universal monetária:
21.000.000 BTCs
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